Metallica: crítica do livro 'Metallica: A Biografia'
Mais do que a história da maior banda de heavy metal de todos os tempos - em números absolutos, nenhum outro nome do gênero vendeu mais discos que o grupo -, Metallica: A Biografia, de Mick Wall, é a história da vida de seus dois líderes: Lars Ulrich e James Alan Hetfield.
Ulrich, filho de uma rica família europeia e que desde cedo conviveu de maneira muito próxima não só com a música, mas com diversas formas de artes, se tornou um frontman atrás de uma bateria. Um cara que fala tudo o que pensa sem pensar duas vezes, arrogante, seguro e com um senso estratégico reconhecido e admirado por todos, e que poderia ter seguido uma carreira de sucesso dentro da indústria musical. No outro oposto, Hetfield, o típico filho de um lar desfeito norte-americano, abandonado pelo pai, que perdeu a mãe de forma prematura e cresceu seguindo os preceitos discutíveis de uma religião extremista, transformando-se em um adulto fechado e inseguro amparado por doses cavalares de álcool.
Mick Wall, um respeitável jornalista de rock inglês com passagens pela Kerrang, Classic Rock e autor de outra altamente recomendável biografia rockeira - Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra, do Led Zeppelin -, desde cedo conviveu com a banda, chegando a ser amigo próximo de Lars. Isso dá ao livro um toque especial, com histórias de bastidores deliciosas e, muitas vezes, desconhecidas do grande público.
O que fica claro é que o Metallica sempre esteve à frente das demais bandas de cena thrash, fato esse reconhecido pelos próprios músicos de grupos como Slayer, Exodus, Anthrax e até mesmo pelo Megadeth de Dave Mustaine. A transformação de Ulrich, de fanático pela NWOBHM à principal mente pensante por trás do Metallica, é contada com uma grande riqueza de detalhes. Da admiração de toda a cena da Bay Area pelo "moleque europeu com sotaque engraçado e dono de uma grande coleção de discos" ao ódio em escala mundial motivado pelo processo movido contra o Napster, Mick Wall mostra um Lars Ulrich de uma maneira poucas vezes vista, principalmente aqui no Brasil, onde o entendimento sobre a sua importância para o Metallica é muitas vezes menosprezada.
Sobre James, é fascinante perceber a evolução do moleque quieto e cheio de espinhas em um dos maiores símbolos e músicos da história do heavy metal. Da inflluência enorme de seu jeito único de tocar guitarra - sim, ninguém fazia bases "pedaladas", pesadas e tão precisas antes de James surgir -, que moldou a sonoridade do thrash metal comprovando que não era preciso tocar solos mirabolantes para ser um guitar hero, à sua coragem em expor os seus traumas pessoais em letras que se tornaram cada vez mais pessoais e transparentes com o passar dos anos, a trajetória de Hetfield fascina por mostrar um músico que, mesmo nos momentos mais controversos da carreira do Metallica, manteve-se fiel às suas crenças o quanto isso foi possível.
Há vários momentos de destaque no livro. Os primeiros anos, o inegável impulso que a entrada de Dave Mustaine deu à banda - e Mustaine é tratado com a devida reverência e respeito -, a traumática perda de Cliff Burton, a entrada de Jason Newsted, a explosão mundial com o "Black Album", as experimentações nem sempre certeiras de "Load" e "Reload", o equivocado "St Anger" e a redenção com "Death Magnetic" são esmiuçados por quem viveu tudo isso de perto. Há dezenas de entrevistas com pessoas próximas à banda, e o resultado é um retrato contundente desta que é uma das mais importantes bandas da história do rock - principalmente pelo fato de não ser uma biografia autorizada chapa branca.
Metallica: A Biografia é leitura obrigatória não só para os fãs do grupo e do heavy metal, mas também para quem quer saber como funciona a indústria musical mais a fundo. Aqui no Brasil há um excesso de romantismo sobre o rock e o metal, como se os músicos de uma banda fossem inegavelmente grandes amigos e gostassem muito um dos outros, o que nem sempre é verdade. O livro de Wall desmistifica essa visão, mostrando como foram montadas as estratégias que levaram a banda ao topo, as divergências entre Lars e James e o papel fundamental que a Q Prime, empresa comandada por Peter Mensch e Cliff Burnstein, teve na história do grupo.
Percebe-se também um esforço de Mick Wall em tentar comprovar que Cliff Burton teria aprovado as transformações que o Metallica passou durante toda a sua carreira, buscando argumentos em entrevistas antigas e depoimentos de pessoas próximas a Cliff para legitimizar desde a maior acessibilidade apresentada em "Black Album" até as experimentações musicais de "Load". Uma postura desnecessária, na minha opinião.
Mesmo com algumas falhas de revisão e informações históricas erradas ao longo de suas mais de 400 páginas - como datas de lançamentos de álbuns e coisas do tipo -, Metallica: A Biografia é um livro excelente, uma leitura fundamental que fornece dezenas de elementos para entender como o Metallica se transformou na maior banda de heavy metal de todos os tempos.
Leia em volume máximo!
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