quarta-feira, 28 de setembro de 2011


O rock, entre a utopia e a fúria

Ugo Monte - Historiador

Indagado sobre o anúncio do fim dos Beatles após o lançamento do álbum Let it be, de 1970, John Lennon foi taxativo: "O sonho acabou". Não era apenas o fim do grupo mais importante da história do rock, em todos os tempos, era o fim de uma era. A utopia hippie da geração de Woodstock sucumbiu diante do choque de realidade e desencanto dos anos 70. Numa perspectiva política e pragmática, a Primavera de Praga foi esmagada pelo totalitarismo stalinista. A luta pela liberdade na América Latina foi derrotada pelo arrefecimento da repressão dos regimes militares no poder. As barricadas do Quartier Latin que uniram estudantes e operários em maio de 68 foram esfaceladas pela realpolitik gaullista e a mobilização dos jovens da América não conseguiu por fim à Guerra no Vietnã, nem evitar a derrota humilhante, tanto militar quanto moral. 

As atrocidades cometidas pelos blue caps no sudoeste asiático e a presença de milhares de veteranos mortos-vivos em solo americano assombrariam durante décadas a autoconfiança do Império. A crise do petróleo e a saída pelas portas do fundo do presidente Nixon da Casa Branca completavam o quadro de incerteza reinante nos novos tempos. No Velho Mundo, chegava ao fim o ciclo de crescimento econômico iniciado no pós-guerra, com a crise, viriam à tona as tensões sociais decorrentes da rígida hierarquia de classes do Reino Unido. A presença maciça de imigrantes vindos das antigas colônias européias, mão de obra fundamental para o reerguimento do continente nos tempos difíceis, tornar-se-ia um problema social persistente até os nossos dias, alimentado pelo choque de civilizações anunciado pelo 11 de setembro.

Apesar de tudo, a vida segue, como acreditava George Harrison, no seu mantra pessoal: The dream is over, but "All things must pass". O som da Motown embalava o orgulho afro do Black is beautiful, demonstrando o poder da música negra. A era do virtuosismo dos verdadeiros heróis da guitarra como Clapton, Hendrix e Page fincava raízes no hard rock e abria caminho para o surgimento do heavy metal. Como herança da alquimia musical da experiência psicodélica, o Glam, o Prog e o Art Rock romperam a fronteira entre a música erudita e a cultura pop. De alguma forma, todos entraram para o clube dos corações solitários do Sargento Pimenta, que iniciou o círculo virtuoso dos épicos álbuns da década de 70, não era apenas virtuose, era vanguardismo. Fama e fortuna não eram mais as ambições primordiais do rock, mas o reconhecimento dos seus pares, um lugar na história e o nirvana artístico: a atemporalidade. A década de 70 foi a era da extravagância e da cultura dos extremos; da febre da Disco e da fúria do Punk; da suavidade Folk e do peso do metal; do rebuscamento estilístico do Art Rock e do minimalismo pueril do rock de garagem; da era de ouro das Superbandas do Mainstream e do laboratório Underground, no submundo de Londres e NY; Ocultismo e mitologia de um lado, escárnio e crítica social do outro. Em nenhum outro momento a cena pop foi tão multicultural, Não era mais apenas rock and roll, como diziam os Stones, era muito mais que isso. Depois da experiência de sexo, drogas e rock and roll, o mundo jamais seria o mesmo. Se hoje nós apreciamos um certo gosto de liberdade e criamos nossos filhos a partir de outros paradigmas, esse foi um legado daquela geração. Por outro lado, se hoje nos assombra os perigos da dependência química e do vício que ronda o mundo dos nossos jovens, também faz parte do espólio da mesma geração. 

São essas e outras histórias que serão contadas no encontro desta quarta-feira, 28, do projeto cultural Diálogos Criativos, que estreará a temporada do segundo semestre deste ano. O encontro, intitulado Let's rock (1969-1979): Utopia, Desencanto e Fúria é o segundo do ciclo temático Rock in Natal, sobre a história deste gênero musical que mudou a história da cultura. O ciclo contará com mais dois encontros: um em outubro sobre o rock das décadas de 1980 e 1990 e outro em novembro sobre a história do rock brasileiro. Todos os encontros são facilitados por um historiador e vários músicos, com apresentações ao vivo de clássicos do gênero. 

Publicidade - Fonte Tribuna do Norte

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